Bloco desigual
A minha parte favorita do PAC chinês é aquela que prevê intercâmbio entre os partidos brasileiros e o Partido Comunista Chinês. O que será que os partidos brasileiros podem aprender com eles? Talvez ensinem como controlar de forma tirânica um país continental por 60 anos, submeter tibetanos, matar estudantes numa praça e censurar a internet.
Poderia ser, também, como criar uma reserva de mercado para os militantes do partido em todos os postos importantes da burocracia, e assim ocupar a máquina do Estado. Mas para isso já há tecnologia local.
Na área comercial, é interessante a parte do acordo em que os dois países se comprometem a intensificar medidas para a exportação de carne suína, porque os chineses acabam de fazer o oposto. O empresário Pedro de Camargo Neto, da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), foi surpreendido, na quinta-feira, com o anúncio de mais um adiamento da visita sanitária que o governo chinês faria ao Brasil, em maio. Isso é uma etapa obrigatória para suspender o embargo à carne brasileira.
— Lula esteve na China em maio, e eles disseram que mandariam uma comitiva ao país. Nada aconteceu, disseram que mandariam a comitiva no final de maio. Hoje, fico sabendo que a vinda foi adiada para setembro. A impressão é que os chineses só querem vender, nunca comprar. O Brasil faz papel de bobo nessa relação — disse o empresário.
O acordo entre os bancos de desenvolvimento finge tornar iguais criaturas totalmente diferentes. A China tem uma taxa de poupança de 53%, e no Brasil se comemora quando ela chega a ser 18%. O BNDES disse que uma das modalidades será assim: Brasil e Índia fazem um projeto que é financiado pelos bancos dos dois países e cofinanciado por um terceiro. Imagine o contrário: o BNDES cofinanciando um projeto russo-indiano?
Hoje, o Brasil tem sido principalmente exportador de commodities. O Brasil exporta minério e soja, como a Rússia exporta petróleo. A China tem exportado produtos de valor agregado, e a Índia tem investido em tecnologia de informação.
— Não é preciso muito esforço para vender matéria-prima — diz José Augusto de Castro, da AEB.
Em 2009, pela primeira vez a Índia ultrapassou o Brasil no comércio internacional. Foram US$ 155 bilhões em vendas, contra US$ 153 bilhões do Brasil. Uma virada dos indianos, que em 1980 exportavam menos da metade do valor brasileiro: US$ 8 bilhões contra US$ 20 bi. A arrancada foi puxada pela venda de manufaturados e de serviços, produtos com maior valor agregado, como carros, computadores e softwares.
A economia indiana conseguiu crescer mais em 2009 (7%) do que em 2008 (6,7%). A explicação para o bom desempenho está na alta taxa de poupança do país, em torno de 37% do PIB, mas o governo abriu um enorme déficit nas contas públicas com os programas de estímulo. A previsão da agência Fitch é que em 2010 e 2011 o país vai crescer 8% e 8,5%. Mas o crescimento está aumentando perigosamente a inflação.
A China anunciou na quinta-feira que o PIB do primeiro trimestre fechou com alta de 11,9%, e o temor de novo é de superaquecimento. Parte desse desempenho é turbinado pelo que mais prejudica o Brasil e o resto do mundo: um câmbio absolutamente artificial. O que torna a relação comercial chinesa desleal.
Os analistas que acompanham as relações comerciais entre os dois países dizem também que o Brasil é passivo diante das decisões chinesas. Rodrigo Maciel, do Conselho Empresarial Brasil-China, acredita que os investimentos chineses serão maiores nos próximos anos, mas diz que os produtos brasileiros têm dificuldade de entrar na China, principalmente os agrícolas. Com 60% da população vivendo no campo, cerca de 800 milhões de pessoas, o país não vai abrir sua economia.
— Na rodada Doha, China e Brasil estão em lados opostos na questão agrícola. Os Bric não são um bloco formado, e não acredito que possam vir a ser. Os interesses são muito diversos, principalmente na questão agrícola — afirmou Rodrigo Maciel.
José Augusto de Castro acha que o Brasil, na relação com a China, não consegue tirar proveito nem quando está em situação de vantagem, como na soja, onde há apenas três grandes produtores: Brasil, Estados Unidos e Argentina. Ele teme que os chineses tentem impor preços baixos jogando com a possibilidade de comprar mais da Argentina.
— Nada que a China faz acontece por acaso. Eles têm planejamento em suas ações e fazem o que querem com o Brasil. No caso da soja, o cenário é amplamente favorável, e não conseguimos tirar proveito. A China já está negociando isoladamente com a Argentina, e vai conseguir impor preços mais baixos ao Brasil. Precisamos endurecer o jogo, a exemplo do que faz a Vale na negociação do minério de ferro — disse.
Dos Bric, a Rússia foi o mais afetado pela crise: recessão de 7,9% em 2009. O sétimo pior resultado de todos os países analisados pela Fitch. A previsão para este ano é de crescimento de 4,5%. A recuperação deve ser puxada pelo aumento do preço do petróleo. A inflação também é um problema, mas a crise derrubou a taxa de 13,3% para 8,8%.
Encontros como esse são importantes e serão cada vez mais frequentes com o aumento do peso do Brasil, mas é bom separar delírio de fato. Os quatro países que formam a sigla Bric não formam um bloco, são diferentes, e em algumas questões são antagônicos. Há vários interesses comuns, muitos negócios bons para todos os lados, mas é preciso evitar o delírio de que está se formando uma liga contra os “outros”, e ser mais pragmático na defesa de nossos próprios interesses.
(Míriam Leitão e Alvaro Gribel)